A maior paranóia de um ancião, que se preze, reside nas doenças que as imunidades debilitadas não podem impedir.
O mêdo de morrer de repente é avassalador.
Nem a lei de Lavoisier (Na Natureza nada se perde (morre), tudo se transforma), nem tão pouco este conceito de que "Um homem depois de morto, é eterno, visto que por incapacidade indutiva, nunca reconhecerá que morreu", me tem salvado desta triste e senil covardia!
Por isso fui hoje ao médico. E de lá trouxe amável e surpreendente notícia: "O senhor, para os seus oitenta anos, está muito bem de saúde!"
Apesar da intenção caridosa ser evidente, sorri-lhe abertamente, para que julgasse ter-me enganado. Ao pretender iludir-me, o doutor apenas me confirmou, de modo simplista, a teoria da relatividade!
O que ele teve, foi pudor, em dizer-me com toda a clareza: "Apesar do seu tempo de validade ter expirado, você é dos resistentes. Quem não deverá gostar nada de você andar por cá são os tipos da segurança social...cá por nós, tudo bem!"
Paranóias são paranóias e contra elas só uma boa cura mental as faz abalar.
Como "para grandes males, grandes remédios", ataquei o problema de frente.
Ocorreu-me pôr em confronto a qualidade de vida do nosso povo com a de outros portugueses, isto é, ver se todos os habitantes do país vivem ou não com dignidade. Velhos incluídos.
Posto isso, qual refrigério de incontrolável egoísmo, amainei meus temores de velho perante a morte, por injustificados, em face de quadro tão dramático:
Recordei notícia sobre a existência de dois milhões de pobres e do milhão de miseráveis que vegetam ao nosso lado. Que diariamente olhamos. Sem os vermos. E bastou!
Reconheço saber de "velhos" que nunca tiveram mêdo da morte, não por usarem expedientes primários como o meu para esquecerem a sua, mas porque a procuram: São os jovens que morrem todos os dias nos atalhos da vida e em outros estranhos e evitáveis caminhos. A estes voltarei um dia se para tanto me ajudar a saúde...
Tal como por estar vivo, sei que não morri, também sei que dentro de 80 anos já ninguém me verá. Não sei para onde vou, mas também não interessa!!
E ao meu médico também não o verão. Mas se o vissem, duplo contentamento lhe caberia. É que os anciãos, que contribuem mais que os outros para o seu desafogo financeiro, passarão a representar a maioria da população em países desenvolvidos.
Há quem pense que eles são um estorvo e por essa razão maior estorvo virão a ser.
Mas não irá ser assim. Muitos dos velhos, do fim deste século, vão conquistar de novo a cidadania. Porque irão receber, de quem os precedeu, a sanguina bandeira que empunharão a caminho duma sociedade mais honrada.
Quero dizer: Os velhos que antes da revolução industrial eram respeitados, voltarão a sê-lo, por razões diversas, no dealbar do próximo século. Trezentos e muitos anos depois.
Afinal, tempo pouco, para este nosso planeta Terra que, qual nave, na sua rota vertiginosa nos transporta a todos, sem excepção, volteando o Sol, através da galáxia e do universo!...
Assim, decididamente, nenhum velho que se preze tem o direito de reclamar - nesta espantosa viagem - por não ter "tempo" para saber que morreu.
Aqui, na Terra, nesta Nave, somos apenas milhares de milhões de eternidades adiadas... Sempre.
Uns vão descendo, em seus apeadeiros, primeiro que outros.
E nestes, outros sobem, para continuar esta viagem!...