RETALHOS DA VIDA DUM PATIFE
Eu tinha doze anos.
Do meu improvisado quarto, roubado à sala de jantar, ouvia-os, ao chegarem, lamentar-se do fraco negócio e também do incómodo que era, no inverno, depois das duas da manhã, terem que atravessar ruas e ruas até chegarem a casa.
- E o menino?... e se sucede qualquer coisa ao nosso filho, que para aqui fica sózinho durante tantas horas?
- Pois é mulher, mas o que havemos de fazer à nossa vida?!
Diálogos destes incomodavam-me, não por me saber só, a dormir, naquele velho T1. Incomodava-me por causa da vida difícil que meus pais me parecia levarem.
Até que um dia, com satisfação minha, resolveram sacrificar parte de uma divisão do "café" destinada a arrumos. E aí se instalou cama e mesinhas de cabeceira.
"O Zé vai ficar bem no vão das escadas, onde não se sente muito o barulho da noite.Vais ver! Forra-se tudo como deve ser e pronto!", disse o meu pai à "velhota".
Meu dito, meu feito. Pouco tempo depois deixaram de pagar o aluguer do T1 e todas as nossas trouxas foram transferidas para as trazeiras do estabelecimento.
Apesar de medidos os prós e contras da decisão tomada, não havia dúvida de que eles perderam qualidade de vida, com a troca.
- Tens razão mulher.Isto, afinal, não é quarto nem é nada. Tanto nós como o Zézito, temos direito a dormir em lugares mais sadios.
E passaram a procurar, na vizinhança, dois quartos, com serventia a casas de banho.
Foi, a partir daqui, que meus verdadeiros instintos de malvadez começaram a despertar .
(Continua)
Zé Ameixa
(arrumador de automóveis)
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