Fernando Pessoa
Liberdade
(veja ao fundo um player)
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
Etiquetas: Fernando Pessoa - Liberdade - Den Beauvais
5 Comments:
Meu caríssimo Zé:
Não concordo por inteiro com esta visão do poema por parte do major reformado.
Não vejo aqui a derrota do poeta mas antes uma vitória da insubmissão, aceitando porém que nada conduz à liberdade do indivíduo (nem os livros, nem a poesia...) que não passe pelo seu próprio interior, ou seja, pelo reconhecimento de que só a aus~encia de dever pode conduzir à total libertação do Homem.
Não creio, pois, que o poema seja um epitáfio intelectual do poeta, outrossim um afirmar bem lúcido de que a racionalidade o não largou até ao fim.
Um abraço.
..." Tímido, misantropo e misógino, critica tudo com acidez destrutiva, começando por si próprio e acabando na Igreja e no Estado, com opiniões que vão desde as de um adolescente revoltado às de um adulto mais maduro que o habitual." ...
António
"Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade."
Um beijo
Houve um filosófo que disse algures " demora tempo a chegar ao simples". Nós só valorizamos as coisas simples da vida, depois de passarmos pelas mais complicadas!Com o correr dos anos a nossa sensiblidade apura-se e vemos as coisas de uma forma diferente. Se ele fosse um camponês, lamentaria sempre a sua existência medíocre, porque não sabia o bem que tinha. Trabalhar ao sol, sentir o vento e o cheiro da terra...esqueci-me dos calos das mãos....ehehe!
Todos os poetas sofrem crises existenciais e são pessoas conflituosas. Apesar de adorar Fernado Pessoa, acredito que ele ma-se mais as próprias palavras que alguém própriamente! Eles gostam de sofrer, porque é desse sofrimento que lhe vem a criação...sem esquecer o absinto!
cumprimentos susana
Gosto dos insubmissos. Logo gosto do poema. Porém Alberto Caeiro e Álvaro Campos são, para mim, o melhor de Fernando Pessoa.
Um abraço
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